Clube teve dirigentes investigados, perdeu pontos por dívidas, viu jogadores em greve por salários atrasados e brigou para não cair à Série C por dois anos consecutivos
Demorou três anos, mas o Cruzeiro voltou ao lugar onde esteve durante 98 anos de sua história: a Série A do Campeonato Brasileiro. Caminho longo, árduo e com percalços que começaram bem antes da queda, consumada em dezembro de 2019.
Contratações caras, salários altos. Planejamento que dificultava o pagamento em dia, mas acabava mascarado pelas conquistas esportivas e as gordas premiações – principalmente na Copa do Brasil. Em 2019, poucos meses após a conquista do hexa da Copa do Brasil, a bomba estourou.
Corrupção e queda
De campeão nacional em outubro de 2018, e um dos melhores times da América nos primeiros meses de 2019, o Cruzeiro virou notícia nas páginas policiais, a partir de maio daquele ano. Wagner Pires de Sá e dirigentes da sua gestão passaram a ser investigados por pagamentos suspeitos, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro à frente do clube.
O ambiente, que esses mesmos dirigentes vendiam ser o melhor possível, se desestruturou de vez com o acúmulo de salários atrasados. O time, que era praticamente imbatível no início daquele ano e inclusive despontava como favorito a todos os títulos, não conseguia sair da parte baixa da tabela do Brasileiro.
Em agosto de 2019, chegou ao fim o trabalho de mais de três anos de Mano Menezes à frente do time. Rogério Ceni foi aposta, começou bem, mas perdeu o vestiário. Nem mesmo Abel Braga recuperou o ambiente, e Adilson Batista, com identificação, não conseguiu evitar o rebaixamento.
Àquela altura, Itair Machado, nome forte do futebol, já havia sucumbido à pressão pelas investigações policiais, saindo do clube, assim como Sérgio Nonato. Zezé Perrella tentou ser o “salvador da pátria”, mas também sem sucesso. Terminou a temporada como chacota, virando meme por diálogo com Thiago Neves sobre salários atrasados. Wagner Pires de Sá foi o último a deixar o barco. Não por vontade própria, mas por pressão de forças políticas e da torcida do Cruzeiro.
Início frustrado de reconstrução
O conselho gestor assumiu gestão transitória com ordem clara de contenção de gastos, mas logo os primeiros capítulos de 2020 foram preocupantes. Novas dívidas milionárias e escândalos, ainda da gestão passada, começaram a surgir, e junto delas várias ações trabalhistas por parte de jogadores. Vários considerados vilões de 2019, mas outros que estavam nos planos para a reconstrução.
Neste cenário, integrantes da comissão técnica de Adilson Batista tiveram que completar o treino nos primeiros dias de treinamento da pré-temporada. Após eliminação da Copa São Paulo, todos os titulares do sub-20 foram para o profissional. O Cruzeiro começou desta forma o Campeonato Mineiro.
Adilson Batista foi demitido, e Enderson Moreira contratado. O calendário ficou paralisado por três meses em função da pandemia, vários jogadores foram contratados, e a esperança se renovou. Mas antes da Série B, mais um episódio vexatório: por dívida não paga na Fifa, o Cruzeiro começou a competição nacional com seis pontos negativos.
Enderson começou bem a Série B, já com Sérgio Rodrigues na presidência. Colocou a pontuação positiva, mas não sustentou. Foi demitido. Chegou Ney Franco, que ficou um mês na Toca, com o time brigando para não cair à Série C. Felipão organizou a casa, mas não por muito tempo. Evitou o rebaixamento do time, mas em meio aos salários atrasados e promessas não cumpridas pela diretoria, pediu demissão. Antes disso, ainda viu os jogadores, em protesto pelos atrasos, não se concentrarem para partida decisiva na Série B. O primeiro ano na competição começou com pontuação negativa, teve três técnicos, três diretores de futebol e apenas uma briga na competição: a luta para evitar mais um rebaixamento.
Erros repetidos e novos vexames em 2021
A segunda temporada na Série B parecia reprise de 2020. Felipe Conceição foi a aposta no início do ano, viveu altos e baixos no Mineiro, começou a Série B com derrota e foi demitido após eliminação para a Juazeirense na Copa do Brasil. Os salários seguiam atrasados.
A diretoria fez aposta em Mozart Santos, de poucos trabalhos no currículo. Ficou 13 jogos, com apenas duas vitórias. O Cruzeiro novamente brigava contra o rebaixamento à Série A e, após duas apostas, recorreu a Vanderlei Luxemburgo.
O experiente técnico blindou o ambiente diante do cenário financeiro, conseguiu melhorar o rendimento e evitar o rebaixamento. O treinador não pôde fazer contratações, porque, pelo segundo ano seguido, o clube estava impedido de registrar reforços em função de dívidas. Os salários, ainda atrasados, motivaram greve dos atletas, que ficaram quatro dias sem treinarem na Toca.
Os cofres do Cruzeiro seguiam como desastre, mas houve renovação com Luxemburgo e acerto com Alexandre Mattos para diretoria de futebol. Nove jogadores foram anunciados no início de dezembro, e o torcedor, mais uma vez, renovava suas esperanças.
Dia 18 de dezembro, a surpresa: Ronaldo anuncia acordo para aquisição das ações da SAF do Cruzeiro.
Das incertezas ao sucesso em 2022
O torcedor esperava que com a SAF chegariam rios de dinheiro. Mas Ronaldo deu choque de realidade, com discursos focados na situação preocupante do Cruzeiro. E as atitudes também iam por esse caminho.
Três dos jogadores anunciados em dezembro, nem sequer se apresentaram na Toca, assim como Vanderlei Luxemburgo e Mattos. Paulo Pezzolano, de carreira no Uruguai e no México, foi o escolhido para comandar o time.
E logo nos primeiros dias de pré-temporada, uma bomba: Fábio, um dos maiores ídolos do clube, não chegou a um acordo para seguir na Toca. Houve até protesto de alguns torcedores na Toca da Raposa, criticando Ronaldo Fenômeno, que mesmo sem ter assinado a compra definitiva, pagou mais de R$ 20 milhões em transferências.
O início dos jogos apaziguou a relação. Pezzolano mostrou força desde o início, e os reforços também corresponderam. Time voltou à final do Mineiro e às oitavas da Copa do Brasil. Ronaldo exigiu algumas mudanças para assinar o acordo definitivo, e recebeu apoio da torcida, que fez pressão contra conselheiros pela aprovação. Tudo certo e documentado em abril.
O início da Série B foi de instabilidade. Derrota na estreia, vitórias apertadas em casa. Mas as coisas foram entrando nos eixos, como ainda não tinha acontecido nos anos anteriores. O Cruzeiro foi dono da competição desde o início, e a relação do departamento de futebol com a torcida se aproximou de vez. Não por acaso são quase 70 mil sócios-torcedores.
O Cruzeiro confirma o acesso com sete rodadas de antecedência e uma das melhores campanhas da história da Série B. Ainda busca o título e outros números recordes na reta final da competição. A esperança, agora, é de que com Ronaldo o time volte a se firmar na elite e, a médio prazo, também volte a brigar por taças nacionais e internacionais.
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